segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O Halloween

As origens do Halloween podem ser encontradas na cultura dos celtas, povo que habitou a região hoje ocupada por Irlanda, Inglaterra e o norte da França. Entre eles, o ano novo era celebrado no dia 1 de novembro, dia que marcava o início do inverno, época de frio e escuridão normalmente associada à morte. Os celtas acreditavam que a noite depois do ano novo tornava a fronteira entre os mundos dos vivos e dos mortos mais próxima, por isso celebravam o retorno dos espíritos a terra. Mesmo acreditando que essas entidades podiam causar problemas como prejudicar as colheitas, por exemplo, os celtas consideravam que sua presença tornava mais fácil a tarefa de seus sacerdotes, os druidas, de fazer previsões sobre o futuro. Para um povo com uma intensa relação com o mundo natural como os celtas, essas profecias eram uma fonte muito importante de conforto e direcionamento para enfrentar o difícil período do inverno.
A cruz celta é erroneamente considerada como um dos elementos da cultura desse povo, já que na verdade suas origens enconram-se no processo de conversão dos irlandeses conduzido por São Patrício (386-483) ao longo da segunda metade do século V. Para facilitar sua tarefa, o santo teria combinado a cruz cristã com a chamada "cruz do sol", associando assim o principal elemento da simbologia cristã às crenças celtas do poder criador do sol.   
Durante as comemorações do ano novo, os druidas acendiam grandes fogueiras onde a comunidade praticava sacrifícios de animais para as divindades celtas. Durante a celebração, os celtas vestiam fantasias, feitas de peles e cabeças de animais, e diziam ditos de prosperidade e fortuna uns aos outros. Quando a celebração terminava, eles reacendiam o fogo de suas lareiras, que haviam sido apagados antes do evento, com as brasas das fogueiras sagradas, pois acreditavam que assim estariam protegidos ao longo do inverno.
Como não existe uma iconografia confiável sobre os druidas, vou ilustrá-los com o mais famoso deles, Panoramix, um dos personagens principais dos quadrinhos franceses "Asterix, o Gaulês", dos quais sou fã incondicional.
Após a conquista de grande parte do território celta pelo Império romano, a celebração do ano novo foi combinada com duas outras de origem romana: a Feralia, realizado no final de outubro para comemorar a passagem da morte, e a que era realizado em honra a Pomona, a divindade romana ligada às frutas e às árvores, cuja simbologia é ligada a maçã, e talvez explique uma das mais tradicionais tradições do Halloween moderno, no caso o “bobbing for apples”, ou seja, catar maçãs com a boca em uma bacia com água.
No dia 13 de maio de 609, o papa Bonifácio IV (608-615) dedicou o Panteão de Roma aos mártires cristãos, estabelecendo assim o Dia de Todos os Mártires. Mais tarde, o papa Gregório III (731–741) expandiu essa celebração e incluiu todos os santos, mudando a data para o dia 1º de novembro. Mesmo que no século IX, devido a influência do cristianismo nos antigos territórios celtas, tenham feito desaparecer as antigas celebrações, por volta do ano 1000, a Igreja transformou o dia 2 de novembro em Dia das Almas, para celebrar a morte de familiares e amigos. Isso aconteceu porque, como se tradicionalmente acredita, a Igreja católica tentou substituir a celebração celta por uma correspondente, só que com a sua chancela. O Dia de Todas as Almas, mais conhecido entre nós como Dia de Finados, era anteriormente celebrado com muitas semelhanças com a tradição celta: grandes fogueiras, procissões e pessoas vestidas com fantasias de santos, anjos e demônios. O Dia de Todas as Almas, em inglês, The All Saints Day, era também conhecido como All-hallows, e a noite do dia anterior, 1º de novembro, quando acontecia a tradicional celebração celta, passou a ser conhecido como All-hallows Eve que evoluiu para Halloween.
Hoje tradicionalmente celebrado em toda a América do Norte, a princípio o tipo de celebração que daria origem ao Halloween foi rigidamente controlado na Nova Inglaterra colonial por conta do protestantismo rígido professado pela maior parte de sua população. Já nas colônias do sul, onde a grande quantidade de crenças e costumes dos mais variados grupos europeus que colonizaram a região se misturou às tradições indígenas fez surgir uma versão própria do Halloween na América, inserido nas chamadas já existentes “play parties”, eventos públicos ocorridos no início do outono para celebrar a colheita. Nestas festas, as pessoas contavam histórias sobre fantasmas, diziam sortes, dançavam, cantavam e praticavam todo o tipo brincadeiras de mau-gosto. Muito comuns até ao início do século XIX, estas festividades de outono ainda não tornaram o Halloween celebrado em todo o país.
O impulso definitivo para a popularização do Halloween aconteceu na segunda metade do século XIX, quando os Estados Unidos começaram a receber grandes levas de imigrantes, especialmente milhões de irlandeses que chegaram fugindo da grande fome de 1846. A partir das tradições irlandesas e inglesas, os norte-americanos passaram a usar fantasias e bater de porta em porta atrás de dinheiro ou comida, uma prática que evoluiria para o tradicional “trick-or-treat”. Nesse época, tornou-se muito popular entre as jovens a prática de tentar adivinhar o nome ou a aparência dos futuros maridos, tradição cuja origem encontra-se na Irlanda do século XVIII. Uma das formas mais populares era a jovem colocar um anel no purê de batatas para que, com sorte, seu futuro marido o encontrasse. Da Escócia veio a tradição que as leitoras da sorte recomendavam às jovens que escrevessem o nome de seus pretendentes em avelãs e então as jogassem em uma fogueira. O nome que estivesse na avelã que queimasse até as cinzas e não estourasse seria o do seu futuro marido. Em algumas versões dessa tradição, a avelã que estourasse simbolizaria um amor não duradouro. Outra tradição conta que se uma jovem comesse uma mistura doce de nozes, avelãs e noz-moscada antes de dormir na noite de Halloween sonharia com seu futuro marido. Jovens também arremessavam cascas de maças sobre seus ombros na esperança que, quando caíssem no chão, formassem as iniciais do nome do marido. Jovens também costumavam tentar ver seu futuro observando ovos flutuando em uma tigela de água ou ficar à frente de um espelho em um quarto escuro, segurando apenas uma vela, e tentando ver por cima de seus ombros o rosto de seus futuros maridos. Outros rituais eram mais voltados à competição: em algumas festas de Halloween, o primeiro convidado que encontrasse um pinhão em um recipiente cheio de castanhas seria o primeiro a se casar. Em outras, o primeiro que conseguisse catar uma maça com a boca seria o primeiro a se casar.
No final do século XIX, foi feito um grande esforço para tornar o Halloween uma festa mais voltada à confraternização entre as pessoas do que sobre fantasmas, brincadeiras ou bruxaria. Na virada deste século, a forma mais comum de comemorar o Halloween foi através de brincadeiras voltadas às crianças como jogos, comidas da estação e fantasias. Os pais foram encorajados pelos jornais e líderes comunitários a tirar tudo que fosse assustador ou grotesco das celebrações do Halloween, fazendo com que a celebração perdesse a maior parte de suas características supersticiosas e religiosas ainda bem presentes no início do século.

Convite para uma festa de Halloween de 1909
Crianças fantasiadas para comemorar o Halloween em 1911
Entre as décadas de 1920 e 1930, o Halloween se tornou definitivamente uma festa secular, mas mais centrada na comunidade, com desfiles e brincadeiras comportadas. Mesmo com o esforço de escolas e outras instituições comunitárias, nesse período o vandalismo foi a tônica do Halloween. Na década de 1950, líderes comunitários tiveram sucesso em reverter essa situação voltando a celebração exclusivamente para os mais jovens. Assim, diante do boom demográfico ocorrido nos Estados Unidos nesse período, as festas foram deslocadas dos centros comunitários para as salas de aula e para dentro das próprias casas. Entre 1920 e 1950, as práticas seculares como a “trick-or-treat” foram reavivadas, tornando-se uma das mais tradicionais nos dias de hoje. Tanto que, atualmente os norte-americanos gastam cerca de 6 bilhões de dólares por ano no Halloween, tornando-o assim o segundo feriado mais lucrativo do país.
A brincadeira de "bobbing for apples" em uma escola em Wisconsin, 1950
A tradição do “trick-or-treat” remonta aos desfiles do Dia de Todas as Almas ocorridos na Inglaterra. Durante as festividades, pessoas pobres pediam comida de porta em porta, recebendo das famílias mais favorecidas uma espécie de torta chamada “bolo das almas”, mas com a promessa de que orariam por seus familiares já falecidos. A distribuição dos bolos era encorajada pela Igreja como uma forma de substituir a antiga prática de deixar comida e vinho para os espíritos que vagavam pela terra. Esta prática, conhecida como “going a-souling” foi incorporada pelas crianças que batiam nas casas vizinhas e ganhavam ale (cerveja inglesa de sabor amargo e cor clara), comida e dinheiro.
  
Crianças vestindo fantasias assustadoras prontas para o "trick-or-treat" na década de 1940
Já a tradição de se fantasiar no Halloween tem raízes celtas. Como o inverno era tido como um período assustador e de incertezas já que oferta de alimentos diminuía e os dias curtos do inverno eram uma fonte constante de preocupação. No Halloween, quando se acreditava que os espíritos retornavam à terra, as pessoas pensavam que os encontrariam se deixassem suas casasPara evitar serem reconhecidas por esses fantasmas, as pessoas usavam máscaras na esperança dos espíritos confundirem-nas com seus companheiros fantasmagóricos. No Halloween, também para manter os fantasmas afastados de suas casas, as pessoas costumavam deixar comida do lado de fora, numa tentativa de apaziguá-los e evitar que entrassem na casa.
Michael Myers e sua peixeira se preparam para atacar de novo...
Como se viu, o Halloween sempre esteve cercado de mistério, magia e superstição. Estas origens remontam as celebrações celtas que ocorriam próximas ao inverno, quando as pessoas se sentiam mais próximas de seus parentes e amigos falecidos. Para agradar a estes espíritos amigáveis, as pessoas armavam uma mesa de jantar, deixavam comida na porta de entrada da casa e acendiam velas para ajudar seus amigos a encontrar o caminho de volta para o mundo dos espíritos. Hoje, os fantasmas do Halloween tendem a ser mais assustadores e malévolos, da mesma forma que as fantasias e superstições a seu respeito. E isso tem sido explorado em praticamente todos os meios culturais, inclusive o cinema. Para mim, o melhor exemplo dessa reorientação da festividade é "Halloween - A noite do Terror" (Halloween, 1978), um clássico do terror dirigido por John Carpenter no qual um psicopata chamado Michael Myers, depois de 15 anos internado em um sanatório por ter assassinado sua irmã, volta à sua cidade natal, Handonfield, em busca de vingança.carrogitinho.com

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